Foram muitos os lugares por onde eu andei e muita coisa eu vi e ouvi. Mais do que o ver o ouvir me surpreendeu. Ouvi o canto de pássaros, de galinha e de galo ao acordar num povoado. Ouvi o grunhido de um macaquinho, vivendo livremente no espaço em volta de uma casa no meio do mato. Ouvi crianças rindo ao som da música da minha campanha. Ouvi vozes que me pediam: “Me dá um dinheiro aí”. Ouvi o barulho de águas correndo de rios que banham o meu Maranhão. Ouvi até mesmo o silêncio quebrado somente pelo roçar dos pneus no asfalto ou chão de terra. Ouvi o lamento de gente com necessidades básicas de educação, de estrada, de água, de luz. Ouvi o desabafo de decepções de promessas não cumpridas depois das eleições. Ouvi o desencanto do povo que já não crê em políticos e política. Mas ouvi frases de renovação de esperança com a nossa proposta de servir, porque cremos vivencialmente em Deus. Ouvi e me encantei de poder ouvir, quando a perspectiva era de falar e ser ouvida. Como Gonçalves Dias eu posso dizer, usando não mais o sentido da visão, mas o da audição: “Meninos, eu ouvi...”
E ouvi uma história muito curiosa. Um relato de alguém que dizia tê-lo guardado até o momento em que me viu interessada pelas histórias da Tijuca, especialmente por um pé de Angelim, espécie que eu não conhecia, dizendo tratar-se de um segredo que nem mesmo sabe porque o guardara até então. Com muito interesse, passei a escutar e, então, meninos, ouvi o que me atrevo a repetir sem nem mesmo saber se se trata de um fato real ou de uma lenda. Mas por que D. Margarida iria inventar essa história que remonta ao tempo de sua adolescência?
Tarquínio Sousa, filho do Sr. Francisco Sousa que tinha uma casa, junto com um engenho na Tijuca, estava encarregado de cuidar de Margarida. Foi nos corredores da casa grande, de que hoje só restam o poço de pedra e as ruínas de poucos alicerces da casa, que ela ouviu “seu” Tarquínio recomendar ao pessoal que aquilo (sobre o qual certamente eles estavam falando) era um segredo e deveria permanecer assim. E ninguém falou sobre isso até hoje. Talvez alguém mais saiba, mas por alguma razão, não contou um história que se espalharia pelo vento, tratando-se de quem se trata.
Foi no dia 24 de abril. Uma caravana que vinha de Bequimão, ali, na Tijuca, parou e, às pressas, foi descida uma senhora que, em dores de parto, sentou-se debaixo do pé de Angelim, nome atribuído pelos moradores a essa árvore que dominava o cenário, não esperando nenhuma outra providência para dar à luz um bebê que, enfaixado, foi levado, logo após nascer, para a cidade próxima de Pinheiro onde uma parteira foi convocada para cortar o cordão umbilical. Nessa cidade, na casa onde isso aconteceu, há 80 anos, está uma placa que marca o nascimento de um notável filho do Maranhão, mas, no pé de Angelim mais do que centenário, nenhuma referência consta que relembre o fato. Contudo ali está ele, altaneiro, esparramando sua copa em galhos inúmeros cujas folhas balançam ao sopro dos ventos de tantos anos, esquecido do benefício de ter sido o berço do acontecimento. São semelhantes, no entanto, árvore e pessoa embaixo da qual nasceu: alcançaram as alturas e não se deixam vergar pelas intempéries e pelos anos.
Fiquei sabendo de uma cidade, São Bento, que reivindica, também, para si a glória de ter sido berço do nascimento desse cidadão, pois também estava na rota daquele dia. Saberá ele dessa história? Sua mãe lhe terá contado onde realmente nasceu ou a razão de não poder revelar isso?
Não consegui me lembrar de ninguém que ainda estivesse vivo e pudesse falar do acontecido. Pudera! São passados 80 anos. Não tenho como saber, e nem mesmo a Margarida sabe se o fato, de fato, aconteceu. Mas que foi contado nos corredores da casa grande, foi, ela é testemunha auricular. Mas que foi contado no meu carro, enquanto, parado, admirávamos o pé de Angelim, foi. Acredite quem quiser. Eu apenas posso dizer: “Meninos, eu ouvi...”